O setor elétrico brasileiro já vive, na prática, a abertura simplificada do mercado de energia. Desde julho de 2025, com a entrada em vigor do PdC 1.8, consumidores passaram a contar com um modelo padronizado para migrar ao mercado livre por meio de agentes varejistas. Esse marco representa a primeira etapa de uma jornada regulatória que deve avançar até 2027, quando a abertura alcançará também os consumidores residenciais.
Para as distribuidoras, a simplificação trouxe ganhos práticos imediatos. O envio de dados e o processo de aprovação das migrações ficaram mais ágeis, reduzindo burocracias que antes exigiam um grande esforço operacional. Esse avanço só foi possível porque a regulação veio acompanhada de soluções tecnológicas que transformaram a teoria da simplificação em prática eficiente. Ferramentas como o Integraflow (solução lançada pela Way2 Technology) têm apoiado distribuidoras nesse processo, garantindo integrações seguras e cadastros consistentes.
O momento atual: mais simples, mas também mais exigente
Se por um lado o modelo simplificado trouxe alívio às distribuidoras, por outro adicionou novas camadas de complexidade. A Consulta Pública 07/2025 da ANEEL e a MP 1.300/2025 impuseram obrigações que vão desde a interoperabilidade com a CCEE até protocolos de segurança cibernética, modernização da medição e criação de times especializados para lidar com milhões de dados em tempo real.
Na visão de Araken Souza, especialista de mercado do Grupo Enel, o cenário atual é de forte pressão. “As distribuidoras precisam prever o ritmo das migrações para gerenciar riscos de sobrecontratação, ajustar contratos de compra de energia, desenvolver modelos de faturamento mais transparentes e dinâmicos e, ao mesmo tempo, enfrentar o desafio logístico e financeiro da modernização do parque de medição.”
Grupo B: o maior desafio pela frente
Essa preocupação não é isolada. Segundo dados da ANEEL, o Brasil possui cerca de 89,6 milhões de unidades consumidoras no Grupo B, potencial grupo a ser migrado nos próximos anos. Apesar desse número expressivo, a quantidade de medidores inteligentes instalados ainda é pequena. Não há, até o momento, uma cobertura estatística oficial que indique a quantidade em operação. O que se sabe é que os projetos em andamento são isolados, conduzidos individualmente por algumas distribuidoras, e juntos não chegam a 10% do total de unidades do Grupo B.
Devido a essa ampla escala, investir em tecnologias para a coleta massiva desses dados torna-se não apenas estratégico, mas indispensável. Além disso, tecnologias de estimativas automatizadas fazem com que o processo simplificado atual, baseado no conceito de melhor dado disponível, seja viável e escalável. Esse recurso já vem sendo exigido pela CCEE e representa uma mudança relevante: os dados de energia não precisam ser necessariamente medidos, mas devem ser consistentes e confiáveis, podendo ser estimados a partir de rotinas automáticas e regras pré-estabelecidas.
Essa automação é fundamental porque o modelo manual, ainda utilizado por diversas distribuidoras, não se sustenta diante do volume massivo que a abertura do Grupo B trará. Nesse sentido, as estimativas automáticas assumem o papel de fiadoras da confiabilidade do processo, permitindo que lacunas, ultrapassagens de capacidade nominal e falhas em equipamentos sejam rapidamente identificadas e tratadas. Ao mesmo tempo, aproximam o setor de uma abertura mais transparente e segura, mesmo em um cenário em que a medição inteligente ainda não está disponível de forma estruturante em todo o país.
O papel das distribuidoras e a tecnologia como aliada
Enquanto comercializadoras defendem acelerar a abertura e entidades de consumidores pedem salvaguardas contra desequilíbrios tarifários, as distribuidoras permanecem como o lastro da transição. Sem rede confiável, dados consistentes e medição íntegra, não há competição que se sustente.
É aqui que entram soluções já consolidadas, como a Plataforma Integrada de Medição (PIM) da Way2 Technology, que faz a gestão da medição de clientes livres em mais de 75% das distribuidoras do país. Além de uma ferramenta, o PIM é um exemplo de como a interoperabilidade pode apoiar as exigências regulatórias da ANEEL e a integração com a CCEE. Junto a novas tecnologias voltadas à coleta massiva de dados e a módulos de estimativas automáticas, plataformas desse tipo sustentam a capacidade da distribuidora de garantir a estabilidade da abertura do mercado.
O que vem pela frente
O futuro já está desenhado em linhas gerais. A partir de 2026, deve começar a descontratação programada, acompanhando a abertura da baixa tensão. Entre 2027 e 2028, espera-se a consolidação das tarifas dinâmicas, a intensificação da modernização do parque de medição e a expansão do uso de inteligência artificial e analytics. Já no período de 2029 a 2030, a automação avançada deve transformar ainda mais os processos internos e a relação com os consumidores.
Esse futuro exige que a distribuidora siga como guardiã da rede física, mas também que se apoie em empresas de tecnologia parceiras, capazes de oferecer soluções que conectem prática operacional e exigências regulatórias. Não se trata de transformar a distribuidora em uma empresa de tecnologia, mas de reconhecer que a abertura só será viável com parcerias estratégicas que sustentem interoperabilidade, confiabilidade e transparência.
A abertura do mercado é inevitável, mas seu sucesso dependerá da forma como for conduzida. Transparência tarifária, migrações sem fricção, estabilidade de indicadores de continuidade e clareza na comunicação com o consumidor serão os sinais de que o setor conseguiu transformar obrigações regulatórias em processos simples e acessíveis.
O papel central da distribuidora não é vender energia, mas sim garantir infraestrutura, dados e experiência para que a competição aconteça de forma sustentável. Se esse compromisso for cumprido, a abertura de 2026–2027 não será lembrada como uma tempestade perfeita, mas como o momento em que a distribuição consolidou seu papel como garantidora do futuro do setor elétrico brasileiro.