Por Lívia Neves, redatora na Way2 | 16 novembro, 2021 | 0 Comentário(s)
Geração de energia no Brasil: novas fontes expandem matriz energética
A matriz energética brasileira é uma das mais bem preparadas para a transição energética mundial, principalmente pela capacidade de geração por novas fontes como energia eólica, solar e biomassa.
A matriz energética brasileira é uma das mais bem preparadas para a transição energética mundial necessária para evitar a crise climática. Com o crescimento de novas fontes de energia renováveis de energia – notadamente eólica e solar – nos últimos anos, o Brasil atualmente tem uma matriz energética 48,3% renovável. Até 2018, a participação era de 45%, quando a média mundial era de apenas 14%, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA).
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), destaca a vantagem da matriz energética nacional diante dos demais países que compõem o bloco dos Brics. As fontes de energia fósseis chegam a 97% na matriz energética da África do Sul, 94% na Rússia, 92% na Índia e 87% na China.
Diferente da matriz energética, a matriz elétrica brasileira é ainda mais renovável, com 82,7% de participação de fontes renováveis. Esses dados são fornecidos pela própria Aneel – a agência considera nuclear (1,1%) como fonte não renovável. As usinas hidrelétricas têm a maior participação, correspondendo a 60% da matriz elétrica do país. Em seguida, já aparecem as eólicas, com 11%, o gás natural, com 9%, biomassa (8,63%), petróleo e outros não renováveis (5,11%), solar (2,48%), carvão mineral (1,9%) e nuclear.
Hidrelétricas já não são mais protagonistas
Há 20 anos, as hidrelétricas representavam 85% da matriz energética brasileira. O potencial hidrelétrico inventariado do Brasil é de 176 GW, dos quais 108 GW já foram aproveitados (em operação ou construção). Pouco mais da metade deste potencial remanescente está localizada nas regiões hidrográficas Amazônica e Tocantins-Araguaia. Onde há grandes extensões de áreas protegidas por unidades de conservação e terras indígenas. Existem, portanto, restrições técnicas, econômicas e ambientais para a implantação de novos projetos hidrelétricos com as características que tornam as hidrelétricas tão valiosas para o sistema: a capacidade de armazenamento de energia através dos reservatórios.
Nos últimos anos, a expansão da capacidade de geração elétrica foi liderada por usinas de energia eólica e energia solar, que chegaram, respectivamente, a 11% e 2% de participação na matriz elétrica. Incluindo a geração solar distribuída, aquela pertencente aos próprios consumidores, a participação da fonte fotovoltaica chega a 3%.
Embora a participação final de fontes renováveis permaneça elevada na matriz energética brasileira, a redução da participação de hidrelétricas e o aumento das fontes variáveis de energia impõem desafios e torna necessários ajustes ao sistema elétrico nacional. Para manter a segurança e eficiência energética do sistema, o país precisa ajustar seus modelos operacionais e comerciais. A introdução do preço-horário no mercado de curto prazo é apenas um exemplo dessa necessidade, cada vez maior, de ajuste ao novo perfil da geração renovável no Brasil.
Potencial da energia solar e eólica no Brasil
De acordo com dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a energia eólica hoje representa 10,9% da matriz elétrica brasileira e a expectativa é que chegue a 13,6% ao fim de 2025. Os maiores parques estão na região Nordeste. Em julho, foram quatro recordes de geração eólica média e quatro de geração instantânea (pico). Segundo o ministério, em um único dia, a média inédita chegou a 11.399 MW, suficiente para abastecer a 102% da região Nordeste durante 24 horas. Esses números mostram o quanto essas fontes de energia renováveis podem impactar na matriz energética brasileira.
Ainda segundo os dados do ONS, a energia solar representa 2% da matriz elétrica do país, podendo atingir 2,9% até o fim de 2021. Nos últimos três anos, o crescimento da energia solar centralizada (gerada por grandes usinas) foi de 200%. Enquanto que a solar distribuída (pequenas centrais de geração) passou de 2.000%. Segundo o Ministério de Minas e Energia, só em 2020, a capacidade instalada em energia solar fotovoltaica cresceu 66% no país.
No caso da fonte solar, o potencial é de 506 TWh/ano, delimitando-se exclusivamente às áreas onshore com maior nível de irradiação (6,0 a 6,2 kWh/m²/dia). Essa capacidade supera o consumo total de energia elétrica do Brasil em 2020, que foi de 474 TWh. Para a geração distribuída fotovoltaica residencial, foi identificado um potencial de geração igual a 287 TWh/ano. Nas áreas offshore, com maior nível de irradiação, o potencial é de 94.706 TWh/ano.
A Empresa de Pesquisa Energética estima ainda a disponibilidade de recursos energéticos não renováveis como petróleo, carvão e urânio. Outra fonte renovável com grande disponibilidade é a biomassa, que atingirá no mesmo período 530 milhões de toneladas equivalentes de petróleo, sendo os resíduos agrícolas (exceto cana) e a cana-de-açúcar as principais fontes, podendo impactar fortemente a matriz energética brasileira.
Incentivos do governo para a transição energética
Dos 2,160 bilhões de toneladas de CO2 emitidas no Brasil em 2020, o setor de energia foi responsável por 393,7 milhões, atrás de outros setores como agropecuária (577 milhões) e mudança de uso da terra e florestas (997,9 milhões), segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa.
Mesmo considerando que as emissões brasileiras não estão concentradas no setor de energia, é possível notar as oportunidades de redução especialmente associadas ao segmento de transportes e combustíveis. Esse cenário acaba influenciando a matriz energética brasileira.
Dos 393,7 milhões de toneladas de CO2 emitidas em 2020 associadas a energia, 242 milhões estão associadas aos segmentos de transportes de carga (99,933 milhões), transportes de passageiros (85,439 milhões) e produção de combustíveis (56,877 milhões). Apenas 46,231 milhões de toneladas emitidas em 2020 pelo setor de energia estão relacionadas à produção e ao consumo de eletricidade.
Para incentivar a transição energética brasileira, o Brasil conta com a Política Nacional dos Biocombustíveis, conhecida como RenovaBio. Desde 2019 estão valendo as metas nacionais anuais de descarbonização para o setor de combustíveis, de forma a incentivar o aumento da produção e da participação de biocombustíveis na matriz energética de transportes do país.
O caminho para a descarbonização no setor elétrico
As metas nacionais estabelecidas pelo CNPE são desdobradas em metas individuais compulsórias para os distribuidores de combustíveis, conforme suas participações no mercado de combustíveis fósseis. Por meio da certificação da produção de biocombustíveis são atribuídas para cada produtor e importador de biocombustível, em valor inversamente proporcional à intensidade de carbono do biocombustível produzido.
Essa produção certificada é comercializada para as distribuidoras de combustíveis que buscam cumprir suas metas compulsórias, por meio da compra de Créditos de Descarbonização (CBIO), ativo financeiro negociável em bolsa, derivado da certificação do processo produtivo de biocombustíveis. A certificação considera exatamente a contribuição individual de cada agente produtor para a mitigação de uma quantidade específica de gases de efeito estufa em relação ao seu substituto fóssil (em toneladas de CO²).
A comercialização e criação de um produto financeiro relacionado à redução de emissões no setor de combustíveis é um passo em direção à criação de um mercado de créditos de carbono no país. Sendo mais uma contribuição do setor de energia para a transição para uma economia neutra em emissões. Tornando a matriz energética brasileira mais sustentável.
O setor elétrico também dispõe de um mecanismo similar, em que produtores de energia renovável como solar, eólica, biomassa e hidrelétrica podem comercializar certificados de energia renovável através de um sistema global de rastreabilidade, o I-REC. Consumidores podem usar os certificados para neutralizar seu consumo de energia e obter selos e certificações de sustentabilidade e melhores práticas.
Futuro com resíduos sólidos e hidrogênio verde
Outros recursos e tecnologias renováveis ainda pouco explorados podem ganhar espaço na matriz energética brasileira. Como os resíduos sólidos urbanos, eólica off shore e o hidrogênio. Um espaço importante para testar a maturidade de projetos, em 2021 os leilões de contratação de energia para atender ao mercado regulado realizados pelo governo federal contaram com a participação de projetos termelétricos que utilizam como combustíveis resíduos sólidos urbanos.
Um projeto de 20 MW localizado em SP vendeu energia a R$ 549/MWh, com deságio de 14,03% no leilão A-5 de 2021 – solar e eólica negociaram energia a R$ 166 e R$ 175 por MWh. Atualmente esse combustível, dentro do guarda-chuva da biomassa, representa apenas 0,01% da matriz elétrica. Mas pode ganhar espaço com o avanço da política nacional de resíduos sólidos.
Com abundância de fontes de geração renováveis, o Brasil também tem o potencial de ingressar de forma competitiva no mercado de hidrogênio verde, que é produzido sem a emissão de CO2, a partir da quebra da molécula da água realizada com eletricidade de fontes de energia limpas. A demanda por esse combustível renovável deve crescer nos próximos anos. Impulsionada pelas metas globais de redução de emissões, colocando a matriz energética brasileira em destaque frente à global.
No Brasil, já existem projetos em pelo menos três complexos portuários: os de Pecém, no Ceará, Suape, em Pernambuco e Açu, no Rio de Janeiro. Em 2021, se intensificaram as notícias de projetos no país que associam a geração de energia eólica e solar à produção de hidrogênio, voltada principalmente para a exportação.